Ricardo Bernard é professor de jogos e simulações há quase 20 anos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nesta entrevista ele apresenta um pouco de sua experiência no uso jogos de negócios (simulação gerencial) para capacitação gerencial dos alunos.
Por que utilizar o método de simulação gerencial em sala de aula?
Ricardo Bernard – Uma boa formação acadêmica deve integrar o conhecimento conceitual com a prática que será exercitada no campo profissional escolhido pelo aluno. A academia tem focado muito na primeira parte, mas, muitas vezes, a aplicação dos conceitos não é priorizada. Isto é especialmente válido nos cursos das ciências sociais, tais como Administração, Ciências Contábeis e Economia.
A utilização do método tem sempre o mesmo objetivo?
Ricardo Bernard – Não. A simulação gerencial pode ser utilizada para diversas finalidades. Em cursos in company ela é utilizada, por exemplo, para realizar integração departamental, seleção e desenvolvimento de trainees, congraçamento e gincanas corporativas, desenvolvimento de lideranças e capacitação gerencial. No meio acadêmico o objetivo principal é a integração da teoria aprendida em sala de aula com a prática do mercado.
No curso de Administração é importante focar na importância da interdependência das diversas áreas gerenciais, ou seja, proporcionar ao aluno uma visão sistêmica do funcionamento das empresas. Esta visão holística muitas vezes não é percebida pelo aluno, pois ele recebe os conteúdos de forma isolada nas diversas disciplinas do curso e raras são as atividades escolares que permitem fazer esta integração. Dependendo do direcionamento do curso e da formação do professor que irá utilizar a simulação, podem ser praticados conceitos tais como planejamento estratégico, programação da produção, gestão de pessoas, administração de marketing e vendas, gestão financeira e precificação.
No curso de Ciências Contábeis o enfoque deve ser proporcionar ao aluno um ambiente em que ele compreenda como a contabilidade pode contribuir para um bom gerenciamento da empresa. Para isto, ele também deve ter uma visão holística da empresa. A partir desta visão ele pode elaborar o processo orçamentário para integração com o planejamento estratégico, exercitar a controladoria e finanças, bem como auxiliar na precificação por meio da elaboração de planilhas de custos. O contador ainda pode analisar os resultados usando indicadores de desempenho econômico, financeiro e mercadológico.
Já para o curso de Economia, o enfoque é para o funcionamento da empresa e o mercado em que ela está inserida, tanto setorial, quanto nacional. Em termos setoriais podem ser trabalhados relacionamentos com fornecedores, concorrentes, e também fusão de empresas, no caso dos simuladores que utilizo. No âmbito nacional pode ser analisado o impacto de indicadores como inflação, crescimento da economia, juros, câmbio para a gestão e desempenho das empresas. Outro ponto interessante é trabalhar conceitos de mercado de capitais. Para isto, tenho utilizado a capitalização das empresas via oferta pública de ações e fundo de investimento em ações integrado à simulação gerencial.
A simulação gerencial é essencialmente tecnicista?
Ricardo Bernard – Em seus primórdios os jogos de empresas eram totalmente manuais e simplificados. Com a evolução tecnológica o método passou a utilizar ferramentas computacionais. A informatização foi benéfica, pois permitiu criar modelos complexos e sofisticados e ao mesmo tempo fáceis de utilizar. Entretanto, a simulação não pode se limitar à sua parte tecnicista. Deve haver uma preocupação com os objetivos educacionais, assim como utilizar atividades que independem do simulador. Neste aspecto o papel do professor se torna fundamental.
Em que sentido o professor se torna importante no método?
Ricardo Bernard – Para que o método de simulação gerencial seja aplicado com sucesso não basta apenas ter um ótimo simulador. Este é apenas o primeiro passo. O professor deve ser capacitado para uso desse simulador para que ele possa explorar toda a sua potencialidade. Ele deve também ter um bom conhecimento gerencial, tanto teórico, quanto prático, para discutir com os alunos os resultados das empresas simuladas. Ele pode fazer ainda um paralelo entre a prática simulada e a realidade. Outro ponto importante a ser considerado é o professor colocar a sua “marca” na simulação criando atividades para personalizar o seu uso.
Quais são essas atividades?
Ricardo Bernard – Elas não estão diretamente definidas pelo simulador, mas com experiência e criatividade, o professor pode elaborar algumas atividades específicas. Eu utilizo umas 30 atividades em minhas simulações. Claro que não é possível utilizar todas em apenas uma simulação. Uso como regra uma atividade por período simulado. Uma destas atividades é a troca de diretorias na metade da simulação. Os presidentes das empresas devem demitir um diretor e contratar outro. Esta atividade simula uma situação do mundo real e na simulação é positiva, pois reorganiza equipes que eventualmente apresentem problemas e permite uma maior troca de informação no grupo, aumentando o aprendizado. Outra atividade é a negociação sindical. Passado um ano da gestão das empresas simuladas (4 períodos), realizo uma negociação sindical para definir o novo piso salarial, além de outras reivindicações. Eu assumo o papel de presidente do sindicato dos empregados e os alunos representam o sindicato patronal. Antes da negociação entre sindicatos, os representantes de recursos humanos devem negociar dentro da equipe (empresa) e posteriormente com os demais representantes para definir uma posição do setor. Algumas atividades apenas reforçam uma atividade já disponível do simulador. Por exemplo, eu aprovo apenas uma fusão de empresas por simulação, baseado nos pedidos feitos por escrito justificando os motivos para a fusão. O melhor pedido é aprovado, considerando apenas uma restrição: não é permitida a fusão entre as duas empresas líderes para evitar concentração de mercado.
Quando ocorre o aprendizado?
Ricardo Bernard – O aprendizado ocorre em diversos momentos. No início o maior aprendizado é sobre as regras da simulação e do funcionamento da empresa simulada. Este aprendizado não é levado para a vida profissional dos alunos, mas ele é essencial para que os demais aprendizados ocorram. Durante o processo de decisão os alunos discutem as diversas estratégias a serem adotadas para o período. Neste momento o aprendizado se dá pela troca de experiências dentro de cada equipe. Depois que as decisões são processadas, os alunos analisam os relatórios gerados buscando explicações para os resultados. O aprendizado neste momento é baseado na tentativa e erro, ou seja, os alunos tomam decisões e verificam os resultados como preparação para uma nova rodada de decisões. A discussão no grande grupo é outra forma de aprendizado, mas poucas vezes é enfatizada. Eu faço esta discussão em dois momentos. Na metade da simulação, na forma de uma assembleia geral ordinária de acionistas, e ao final da simulação. No primeiro momento cada equipe apresenta o seu resultado e responde a perguntas do professor e dos demais alunos. A avaliação final pode seguir a mesma estrutura da assembleia, ou ser mais informal, utilizando um grande círculo. Na avaliação final o aprendizado tende a ser maior porque a simulação já acabou e todas as estratégias adotadas podem ser discutidas. O professor pode discutir não apenas aspectos técnicos, ou seja, baseado nos resultados, mas também comportamental, focando no trabalho em equipe, nas dificuldades encontradas e nas lições a tirar com a experiência vivida.