Em entrevista exclusiva ao site da Bernard, o professor Mário Tanabe, com quase quarenta anos de profissão e um dos primeiros teóricos da Simulação Empresarial no Brasil, conta a história da evolução da técnica, fala das ferramentas utilizadas década a década e apresenta uma visão crítica sobre os Jogos de Empresas.
O senhor foi um dos primeiros estudiosos no Brasil a escrever sobre Jogos de Empresas, já na década de 70. Naquela época, qual a sua motivação para estudar o tema?
Mário Tanabe – Comecei a lecionar na USP em 1966, na antiga Cadeira XXIII da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, que era composta pelas disciplinas Finanças das Empresas e Política dos Negócios, cuja catedrática era a Prof ª Lenita Correa de Camargo. Quando comecei, o Professor assistente, a quem fui auxiliar, Prof. Bruno Sabóia Fiúza, já usava o jogo de empresas como uma das ferramentas didáticas da disciplina e eu fiquei muito interessado porque via nela uma forma interessantíssima de ensino prático de conceitos de administração.
Com o tempo e ao revisar a bibliografia para a minha dissertação de mestrado, que versa sobre jogos de empresas, acabei concluindo que o jogo de empresas é na verdade uma ferramenta de treinamento de futuros executivos, visando ao desenvolvimento de habilidades e à fixação de atitudes, mais do que uma ferramenta pedagógica para transmissão de conceitos, e um sucedâneo do laboratório das ciências exatas no caso da administração de empresas.
Como eram as aplicações dos Jogos de empresa na década de 70?
Mário Tanabe – Nos primeiros anos usávamos simulações calculadas manualmente, mediante o uso de ábacos e máquina de calcular. As equações dos modelos, o formato das decisões e os relatórios de saída eram similares aos mais modernos. Depois passamos para simulações em mainframe usando, inicialmente computadores da série IBM-1600 com jogos programados e rodados em cartão-perfurado, depois passamos para computadores Burroughs séries 3000 e 6000, operados, inicialmente a base de cartão perfurado e, posteriormente mediante programação em fita e entrada de dados remota em terminais escravos. Finalmente, passamos para os micro-computadores.
Quais as primeiras universidades a utilizar a simulação empresarial na formação de novos profissionais?
Mário Tanabe – Não tenho nenhum levantamento fidedigno para mencionar. Entretanto, soube pelo professor Bruno Sabóia Fiúza, à época, que a primeira escola, no Brasil, teria sido a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No exterior, recomendo a leitura do livro “Management Games”, de Kibbe, Nanus, Craft, e outros, escrito em 1960, que contém tanto um levantamento dos jogos existentes à época, quanto um histórico dos primórdios da utilização de jogos.
Comente as diferenças entre os primeiros simuladores utilizados pelo senhor e os softwares atuais:
Mário Tanabe – Na essência não há diferenças: o processo de modelagem continua similar uma vez que o objeto do simulador também não se alterou substancialmente, ou seja, as empresas ainda funcionam, hoje, como funcionavam 50 anos atrás.
As principais mudanças residem nos processos computacionais, que também engendraram mudanças no escopo dos jogos. A tecnologia computacional viabilizou a aplicação dos jogos em rede, com tomada de decisões e apuração do resultado sem as fases de digitação de decisões e impressão de relatórios por parte do instrutor, tornando mais rápida a aplicação do jogo; também propiciou a aplicação do jogo via Internet, havendo, hoje em dia, inúmeras instituições que o fazem, corriqueiramente.
Atualmente, além do uso de redes e Internet, parece que a busca está se direcionando para o desenvolvimento de jogos em tempo real em que a situação simulada evolve continuamente e o decisor interfere no processo, alterando suas decisões, quando achar mais conveniente, fugindo ao esquema de incremento fixo de tempo que caracteriza a maioria dos jogos atuais. Além dos jogos do tipo SIM, os quais visam, tão somente, atividades de lazer, tive notícia, recentemente, de um jogo que foi desenvolvido e está sendo utilizado com fins pedagógicos e que apresenta esta característica.
O senhor acredita que, hoje, professores e coordenadores de curso estejam culturalmente preparados para a utilização da simulação em sala de aula? Há, ainda, em algumas instituições, profissionais que oferecem resistência à adoção desse tipo de tecnologia educacional? Como isso vem mudando ao longo do tempo?
Mário Tanabe – Primeiro, acho que, como ferramenta de ensino, a utilização de jogos de empresas ainda não está validada. Não é possível, ainda hoje, dizer que tipo de benefícios o jogo de empresas tem para os alunos. Particularmente eu acho, sem ter comprovação adequada, que o jogo de empresas não é a melhor ferramenta para ensinar conteúdos, conceitos, teorias, métodos e técnicas de administração, mas, é, por outro lado, a melhor ferramenta para treinamento, isto é, desenvolvimento de habilidades e, assim, complementar o ensino tradicional à base de giz, cuspe e exercícios de fixação.
Assim, é perfeitamente natural que haja resistências por parte de professores e coordenadores à sua utilização, uma vez que o seu custo é elevado – há o custo de desenvolvimento, aquisição e utilização do software que é substancial; há o custo do hardware necessário à sua utilização, que não é desprezível; há o custo do instrutor, que, em princípio, é maior do que o custo de um professor tradicional porque o mesmo, além da hora-aula, propriamente dita, ainda implica na hora-apuração e há, finalmente, o custo do tempo do aluno participante da aula. Assim, o uso da simulação é bastante oneroso e, vis-à-vis o método tradicional é mais caro sem apresentar, em termos do que tradicionalmente se espera da aula, uma superioridade na transmissão de informações.
Em segundo lugar é inegável a superior satisfação e o interesse que o jogo de empresas gera em seus participantes. Uma parcela significativa dos participantes de um curso sempre se sente satisfeita com a participação num jogo. Isto é, pedagogicamente importantíssimo uma vez que o processo que ocorre em classe é, a meu ver, um processo de aprendizagem, isto é, neste processo é o aluno que aprende e não o mestre que ensina.
Não é possível fazer ninguém absorver conteúdo algum, aprender enfim, se o aluno não estiver interessado. O processo só termina na cabeça do aluno e não no discurso do professor. Assim, como a participação no jogo de empresas gera esse interesse do aluno, por apelar para o sentimento lúdico inerente ao ser humano, ele é um veículo com possibilidades interessantíssimas de aproveitamento. Mas, nesta linha há, ainda, muito a pesquisar para garantir esta característica e para ver como ela pode ser aproveitada.
Em terceiro lugar, ainda há a resistência natural decorrente do fato de que parte importante do corpo docente atual é formada por profissionais que vivenciaram a transição do cálculo a lápis-e-borracha para o micro-computador. Muitos desses profissionais ainda não se sentem confortáveis com o uso do computador e, acredito, a maioria se restringe ao uso do computador como máquina de escrever ou máquina de calcular. Este fato está por trás da resistência ao uso da simulação, mas tende a desaparecer com o tempo e a substituição da geração pós-segunda guerra mundial, pela geração pós-Intel.
Na sua opinião, qual a razão do sucesso da simulação empresarial em todo o mundo e porque a utilização da técnica em cursos de graduação em Administração e Contabilidade no Brasil também vem obtendo êxito?
Mário Tanabe – A resposta já está dada na questão anterior. Além disto, o micro-computador popularizou bastante o uso dos jogos, facilitando a sua utilização. Se a evolução da informática tivesse seguido os caminhos previstos pela IBM, isto é, mainframes cada vez mais potentes com programação especializada, acho que a utilização dos jogos teria sido mais restrita.
Na sua opinião, qual a importância da implantação de disciplinas de simulação empresarial para qualificar o currículo dos cursos?
Mário Tanabe – Acho, ainda hoje, um meio válido. Principalmente como ferramenta de treinamento (desenvolvimento de habilidades) e como laboratório de pesquisas acadêmicas sobre administração.
Entretanto, acho equivocado prometer ao aluno a participação no jogo de empresas como um sucedâneo do aprendizado da prática. Ou seja, o jogo de empresas não pode pretender substituir o aprendizado no posto de trabalho uma vez que não há possibilidade teórica ou prática de reproduzir num modelo a realidade.
Um jogo de empresas é, e sempre será, um construto verossímil de uma empresa em funcionamento onde os participantes aguçarão suas habilidades executivas de uma forma que não é possível em nenhuma outra disciplina expositiva, de exercício ou de estudo de casos.